Entre diversas lições de moral e poucas cenas de ação, esta animação peca por suas decisões simplistas, quase didáticas, devendo agradar apenas os mais novinhos.
Darlano Didimo
cinemacomrapadura.com.br
Astro Boy nasceu das mãos e da mente genial de Osamu Tezuka em 1952. Produzido por seu criador até 1968, o mangá marcou a história cultural do Japão e rendeu a primeira série animada exibida pela televisão local, dando origem à indústria japonesa de animação. A série alçou vôos mais altos ao chegar a outros cantos do mundo nas décadas posteriores, incluindo os Estados Unidos, tendo influência direta nos animes de hoje. E como tudo que faz sucesso em outras mídias e tem fãs fervorosos, o mangá virou filme, agora nas mãos de produtores americanos, chineses e japoneses. Preservando o nome e a estética original, “Astro Boy”, no entanto, modifica partes de sua história em prol de uma acessibilidade ainda maior, deixando sua trama extremamente infantil e pouco original.
Entre as mudanças, algumas podem ser vistas logo de imediato. Para facilitar a pronúncia do nome do herói pelas crianças, não mais temos Tobio, mas Toby (dublado no Brasil por Rodrigo Faro) no papel principal. Além disso, sua morte não acontece em um acidente automobilístico e ele não é mais vendido para um dono de circo como resultado da rejeição de seu pai e criador. Maniqueísmos exagerados também são inseridos e vilões desconhecidos dão as caras. Alguns poderiam dizer que tudo tem a simples intenção de atualizar a história, mas essa não é a impressão. O filme traz dilemas e confrontos tão antigos quanto o próprio mangá, decepcionando tanto os fãs quanto os sedentos por conferir mais uma animação de qualidade nos cinemas.
A trama se passa em um mundo futurístico, mais especificamente em Metro City, cidade que sobrevoa o antigo território habitado pelos humanos, hoje abandonado depois que o lixo não mais permite sobrevivência em seu entorno. Por sobre a longínqua sujeira, humanos e robôs dividem espaço, sobrando aos últimos realizar tarefas árduas agora rejeitadas pelos primeiros, como atividades domésticas. Entre os principais gênios da robótica estão Dr. Tenma, chefe do Ministério da Ciência e pai de Toby, um pequeno garoto que parece querer seguir seus passos. No entanto, durante a apresentação de uma nova criação de Tenma, sob os olhos ambiciosos do Presidente Stone, Toby acaba se tornando uma vítima fatal do ataque do andróide ironicamente chamado Pacificador.
Culpando-se como o verdadeiro causador da morte do filho, Dr. Tenma tenta reverter a perda criando um robô com a mesma semelhança física e memórias de Toby. A única diferença está em alguns novos poderes que foram acrescentados, como a capacidade de voar, a força monumental que passa a possuir e as inúmeras armas que carrega por todo o corpo, literalmente. Tudo movido por meio da energia azul. Mas o plano não funciona por completo. Ele acaba se arrependendo da ideia e não reage aos ataques comandados pela presidência, que planeja capturar Toby com o objetivo de usar seus poderes para “manipular” as próximas eleições. No entanto, o menino-robô, que ganha o apelido de Astro, foge, tendo que aprender a sobreviver sozinho numa região tão suja quanto perigosa.
“Astro Boy” tem um início promissor. Com um prólogo que conta a história do nascimento de Metro City e da rotina do local, somos apresentados a um cenário que parece guardar, em suas esquinas, bonitas e profundas reflexões, sejam elas ambientais ou familiares. Em uma sociedade entregue ao consumo, ao trabalho e à exploração dos serviços robóticos, sobra pouco tempo para valorizar os reais válidos valores humanos. No entanto, o filme fica apenas na promessa. As lições de moral são tantas que se confundem e, ao final, nenhuma é devidamente bem explorada.
O problema é que o longa-metragem não sabe se dedica mais às cenas de ação, em uma estratégia para atrair o público mais jovem, ou se foca na metáfora que se propôs desde o início. E ao fim, nenhum dos dois satisfaz a audiência. Faltam perseguições e tiros, já que acontecem apenas duas sequências de ação durante toda a fita, assim como os furos de roteiro impossibilitam alguns ensinamentos mais reflexivos. Dessa forma, “Astro Boy” nem emociona nem diverte, aproximando-se mais de um episódio alongado de séries japonesas que são exibidas diariamente pelos canais de televisão de todo o mundo.
Dirigido por David Bowers (“Por Água Abaixo”), o filme possui um ritmo lento, que o faz parecer mais longo do que sua uma hora e meia de duração. O senso cômico simplesmente não existe, a não ser pela inclusão de robôs anarquistas, na única ideia mais inteligente e adulta de toda a trama. Mesmo assim, as risadas não duram mais do que dois segundos. Além disso, o visual da produção não impressionará as crianças com suas cores cinzentas e pouco atraentes. Por mais que toda a estética seja inspirada nos animes e não possa ousar muito, a sensação é de total regressão em relação aos últimos filmes do gênero. Reparem na cena em que Astro e seus recém-amigos lavam o robô Zob logo após o encontrarem em meio a tanto ferro velho.
Roteirizado pelo próprio Bowers, em parceria com Timothy Harris (“Space Jam”), “Astro Boy” acerta ao inserir o personagem Ham Egg, um brilhante cientista que deixou Metro City para, logo abaixo, consertar robôs renegados pela cidade e transformá-los em peças de luta, para digladiarem em confrontos conferidos por um vasto público. Aqui, o bem e o mal se confundem primeiramente para depois revelarem-se verdadeiramente. Entretanto, o maniqueísmo é escalado durante todo o filme na figura do verdadeiro vilão da história, o presidente Stone. Tudo que o cerca é extremamente simplista e clichê. Certo que estamos diante de um filme infantil, mas faltam razões e clareza às suas intenções de realizar maldades.
O roteiro também falha no desenvolvimento da relação de Toby com o Dr. Tenma. Pai ausente, ele deveria tentar se aproximar da versão robótica do menino, mas o que vemos é o mesmo afastamento e, além disso, um julgamento precipitado da nova personalidade do filho, o que desencadeia todos os conflitos do longa. Como se não bastasse, um arrependimento também surge, para que, claro, um final feliz encerre mais essa história extremamente comum, que pode até lembrar um pouco “Wall-E”, mas que não chega nem aos pés de uma das melhores animações já realizadas.
(cinema com rapadura, 24/01/2010)
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