quinta-feira, 24 de junho de 2010
Uma amizade “kawaii”
O diretor Hayao Miyazaki, avesso ao 3-D, promove fantasia e graciosidade na animação "Ponyo"
Mariana Shirai
Há no mundo apenas uma palavra capaz de classificar a animação Ponyo – Uma Amizade Que Veio Do Mar, o mais recente filme de Hayao Miyazaki: kawaii. O adjetivo é um dos mais usados na língua japonesa e significa algo parecido com “bonitinho”. É a expressão máxima do valor dado pela cultura nipônica à graciosidade, ao amor e à harmonia. Em uma época em que filmes e desenhos animados são violentos e grotescos, as duas horas de Ponyo se tornam uma rara experiência cinematográfica de alegria e beleza, e não só para as crianças.
O filme conta a história de amizade entre um garotinho de 5 anos chamado Sosuke e uma “peixinha” encantada que ele batiza de Ponyo. Assim como muitos dos nove outros longas-metragens dirigidos por Miyazaki (O castelo animado e A viagem de Chihiro, vencedor do Oscar de Animação de 2003), Ponyo une o mundo natural e o universo infantil por meio de seres e acontecimentos fantásticos. A liberdade e sua força incontrolável orientam a narrativa. Depois de conseguir fugir da bolha de proteção na qual seu pai – uma espécie de feiticeiro chamado Fujimori – a mantém nas profundezas do mar, Ponyo chega à praia que beira a casa de Sosuke. Antes de atingir a costa, porém, ela se vê novamente presa: dentro de uma embalagem de vidro. Sosuke a salva sem saber de seus atributos mágicos, e a amizade começa.
Os desafios infantis que Sosuke encontra para conseguir cuidar de Ponyo parecem quase intransponíveis. Como escondê-la durante a aula? Como não deixar que ela se torne comida de gatos vira-latas? As soluções são também do tamanho da inocência e graça de uma criança: Sosuke esconde Ponyo dentro de um baldinho coberto com folhas de um arbusto. Ponyo acaba descoberta por Fujimori e é mais uma vez detida no fundo do mar.
Ponyo não quer mais ser peixe. Usando seus poderes até então pouco conhecidos, transforma-se em gente. A metamorfose causa um rebuliço de proporções oceânicas. É um dos momentos de maior deslumbre na obra de Miyazaki. Deslizando sob ondas colossais ao lado de seres marinhos, a menina Ponyo encontra seu caminho até a terra firme. Seus poderes dourados, agora irrefreáveis, dão forma ao desejo inesperado da natureza de se tornar humana. Até o desfecho, o amor de Ponyo e Sosuke passa por testes exteriores comandados por Fujimori e uma deusa marítima.
Avesso à tecnologia do cinema 3-D, Miyazaki, de 69 anos, promove a fantasia kawaii em Ponyo com cores e texturas exuberantes, reafirmando seu lugar entre os grandes diretores de animação atuais.
(Revista Época, 24/06/2010)
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